Amnistia Internacional qualifica de “escravatura moderna” a exploração de empregadas domésticas

A acusação é feita pela Amnistia Internacional. Sem contemplações, a organização não-governamental de defesa dos direitos humanos qualificou a exploração das empregadas domésticas, nas Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong, de “escravatura moderna”.

A organização não-governamental Amnistia Internacional (AI) considerou, em declarações à agência Lusa, que a exploração das empregadas domésticas, em Hong Kong e Macau, se trata nada mais, nada menos do que “escravatura moderna”.

Em resposta a perguntas formuladas pela agência noticiosa portuguesa, a Amnistia Internacional explicou que tem investigado a situação dos trabalhadores domésticos em Hong Kong e considera que em Macau “existem algumas semelhanças”. A organização de defesa dos direitos humanos considera que “os trabalhadores domésticos migrantes podem ficar presos em ciclos de exploração que equivalem a escravatura moderna”: “Somos discriminados, não temos direitos, nem sistema de saúde e ninguém nos ouve”, disse à Lusa a presidente do Sindicato Verde dos Trabalhadores Migrantes das Filipinas em Macau, Nedie Taberdo.

Pouco mais de 450 euros por mês, é o que pedem de salário mínimo as associações de empregadas domésticas contactadas pela agência Lusa, num território considerado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como o segundo com o maior rendimento ‘per capita’ do mundo. Para o próximo ano, a RAEM deverá passar a ser o primeiro, destronando o Qatar. Em 2020, o rendimento per capita deverá atingir os 124 mil euros, quase o triplo da média das economias mais avançadas como a Austrália, os Estados Unidos da América, a Áustria, o Reino Unido ou a República Popular da China.

Fonte de outra organização não-governamental – a Human Rights Watch – identifica de “problema global” a situação dos trabalhadores domésticos migrantes na Ásia, na África Oriental e no Médio Oriente, disse à agência Lusa que “os trabalhadores domésticos correm um alto risco de trabalhar excessivamente por longas horas, sem descanso, e por uma fracção do salário mínimo”: “As lacunas na protecção legal tornam mais fáceis para os empregadores abusarem dos trabalhadores, e mais difícil para os trabalhadores conseguirem ajuda”, argumentou a Human Rights Watch.

Por outro lado, a Amnistia Internacional identificou como o principal problema a “falta de regulamentação e regulação das agências de colocação de trabalhadores domésticos migrantes”, principalmente oriundos da Indonésia.

Durante a pesquisa que a organização fez em Hong Kong constatou que estas “agências estão rotineiramente envolvidas no tráfico de trabalhadoras domésticas migrantes, explorando-as em condições de trabalho forçado” e que são “compelidas a trabalhar em situações que violam os seus direitos humanos e do trabalho”.

Nesta investigação, a Amnistia Internacional diz ter descoberto casos de “confisco de documentos de identidade e restrições à liberdade de movimento”.

Em Macau é relativamente comum as famílias empregarem uma trabalhadora doméstica a tempo inteiro. Algumas residem mesmo em casa dos patrões:

“Queremos que o trabalho doméstico seja respeitado, com um contrato normal para podermos ter uma vida decente”, contou à Lusa a presidente do Sindicato Progressistas dos Trabalhadores Domésticos de Macau, Jenny Simeon, denunciando ainda a existência de “empregadas a ganhar 2.000 a 3.000 patacas mês por mês”.

Filipinos, Indonésios, vietnamitas, nepaleses e tailandeses estão entre os grupos mais desprotegidos em Macau: no antigo território administrado por Portugal, o contrato das empregadas domésticas é feito através de uma agência, ou entre o patrão e a trabalhadora, sendo que, na prática, o empregador fica com o poder de cancelar a autorização de permanência no território à trabalhadora: “Se o nosso empregador quiser acabar com o nosso contrato, nós perdemos o nosso ‘blue card’ (permissão de residência através de um contrato de trabalho) e temos de começar do início outra vez”, explicou Jenny Simeon.

Os trabalhadores não-locais têm de regressar ao seu país de origem por seis meses em caso de cessação do contrato e em casos excepcionais, como despedimentos sem justa causa, têm seis meses para encontrar um novo trabalho em Macau, mas sempre na mesma área: “Para eles [patrões] nós não somos humanos, não entendem as nossas dificuldades e é por isso que não nos respeitam”, acusou Jenny Simeon.

As duas dirigentes associativas apontaram ainda a falta de interesse demonstrada pelos deputados e governantes de Macau em solucionar o problema e em proporem alterações à lei que protejam os direitos das trabalhadoras domésticas, um salário mínimo digno e ainda um aumento no subsídio de habitação, que neste momento se cifra em cerca de 50 euros por mês.

“Desde que cheguei a Macau, há 15 anos, a economia melhorou muito, mas nada mudou”, disse Nedie Taberdo, que pede há vários anos um aumento do subsídio de habitação para cerca de 150 euros por mês.

Jenny Simeon garantiu ter já estado em reuniões com os dois principais deputados pró-democratas em Macau, Sulu Sou e José Pereira Coutinho, sobre o salário mínimo: “Foram muito simpáticos, mas disseram que nada podiam fazer”, disse.

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