Xinjiang. Dez anos após confrontos, tensão étnica persiste

Os distúrbios interétnicos que deixaram quase duas centenas de mortos há uma década em Xinjiang, nos quais algumas das vítimas foram espancadas, esfaqueadas e, inclusive, queimadas vivas, são, hoje, inimagináveis naquela Região Autónoma Chinesa. O Turquestão Oriental está transformado em Estado policial.

A capital regional, Urumqi, foi cenário, há dez anos, de uma vaga de violência inusitada quando membros da etnia turca e muçulmana uigur atacaram violentamente os han, a etnia a que pertence 92 por cento da população da República Popular da China. 

Nos últimos anos, depois de uma nova vaga de atentados, as autoridades chinesas colocaram em andamento medidas draconianas: câmaras de vigilância, registo de dados biométricos, barreiras policiais e cordões de segurança.

Pequim terá ainda internado até um milhão de pessoas, principalmente uigures, em campos que diz ser de reeducação. O Governo Central nega o número e garante que se trata apenas de “centros de formação profissional” para lutar contra o terrorismo e a radicalização de fieis muçulmanos.

O vice-presidente da Região Autónoma de Xinjiang, Aierken Tuniyazi, um uigur, afirmou na semana passada perante o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas que Xinjiang não é palco de nenhum acto terrorista de há três anos a esta parte.

No entanto, a assimilação das minorias étnicas locais, principalmente as muçulmanas, e as desigualdades persistentes entre hans e uigures continuam a atiçar velhos rancores, de acordo com os especialistas: “Há uma desconfiança recíproca”, explica à AFP Reza Hasmath, professor da Universidade de Alberta, Canadá, e especialista em relações interétnicas em Xinjiang.

Barbas e mesquitas

Pequim tomou medidas com o propósito de maximizar a segurança e conseguiu pacificar a região, mas está longe de solucionar o problema: “Qualquer potencial violência pode ser bloqueada, […] mas isso estabelecerá uma certa desconfiança em relação aos han no seio de toda uma geração de uigures”, acrescentou.

Durante décadas, Xinjiang foi abalada por uma série de ataques atribuídos a separatistas uigures, mas os tumultos de 2009 dividiram as águas. Nos anos que se seguiram, as diferenças entre os dois grupos étnicos foram claramente “expandidas”, de acordo com Joanne Smith Finley, especialista em cultura uigur na Universidade de Newcastle.

“A situação no terreno permanece muito tensa”, explicou a académica, que visitou Xinjiang no ano passado: “Há uma encenação em curso que tem como propósito salvaguardar as aparências”, acrescenta Smith Finley.

Os centros de detenção aprofundaram ainda mais a lacuna que divide uigures e han.

Aierken Tuniyazi apresentou na semana passada à ONU o que qualificou de “êxitos” das políticas de Pequim. Tais medidas permitiram, de acordo com o responsável,  que os residentes de Xinjiang “escapassem à influência do terrorismo e do extremismo”.

No entanto, alguns dos que foram internados no centro de formação explicaram que foram enviados para lá apenas por usar barba grande ou o véu islâmico.

Um empresário do vizinho Cazaquistão disse que viu outros muçulmanos detidos por cantar canções patrióticas todas as manhãs ou comer carne de porco.

Desde 2017, as cúpulas das mesquitas e dos espaços religiosos em Xinjiang foram removidas quando não foram demolidas, de acordo com imagens de satélite.

 “Círculo vicioso”

Quanto às verificações de identidade através da obtenção de dados biométricos, os procedimentos são muito comuns e são praticadas principalmente com os uigures: “Os chineses han beneficiam de um certo de favorecimento; não estão sujeitos à mesma vigilância rigorosa”, afirmou à AFP Timothy Grose, professor de estudos chineses no Instituto de Tecnologia Rose-Hulman, nos Estados Unidos. “Isso, claro, acentua o desconforto entre as duas comunidades”, sublinha.

As minorias étnicas na República Popular da China estão a ser assimiladas pouco a pouco. Um documento oficial do governo central instou em 2018 a estender o uso do idioma chinês à Região Autónoma de Xinjiang, a fim de garantir que todos os estudantes uigures possam falar correctamente.

O Estado também promove casamentos interétnicos, embora o procedimento ainda não seja muito popular.

A assimilação também é intensificada com a chegada a Xinjiang de chineses han de outras partes do país: de 6 por cento em 1949, o número aumentou para 37 por cento em 2015, de acordo com as últimas estatísticas oficiais.

O influxo populacional pode intensificar as tensões interétnicas se os empregos mais bem pagos terminarem nas mãos dos recém-chegados, como tem sido prática, enfatiza Hasmath.

“Gera um círculo vicioso. Se os chineses da etnia han, graças a suas redes, ocuparem os cargos mais bem pagos e contratarem pessoas de sua comunidade”, defende o investigador. “As minorias são excluídas dos melhores empregos e dos melhores salários”, conclui Hasmath.

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