O torturador Kaing Guek Eav, conhecido como “Duch”, chefe do mais temido centro de detenção do regime dos Khmer Vermelhos, no Camboja, faleceu esta quarta-feira aos 77 anos. “Duch” estava a cumprir uma pena de prisão perpétua, depois de ter sido julgado em 2012.
Duch “morreu no hospital”, declarou Neth Pheaktra, porta-voz do tribunal cambojano impulsionado pela ONU para julgar os crimes do regime dos Khmer Vermelhos.
A causa da morte não foi divulgada, mas Duch “sofria de uma doença pulmonar há vários anos”, afirmou à AFP uma fonte que pediu anonimato.
Duch dirigiu a Tuol Sleng, conhecida como S-21 – a prisão central de Phnom Penh – onde 15.000 pessoas foram torturadas, antes de serem executadas pelos Khmer Rouge.
Estabelecida em 17 de Abril de 1975, a ditadura ultramaoísta caiu a 7 de Janeiro de 1979, esmagada pelos tanques do Vietname socialista, “irmão inimigo”. O regime matou quase dois milhões de pessoas no país em menos de quatro anos.
Kaing Guek Eav foi o primeiro integrante dos Khmer Vermelhos a ser condenado por um tribunal por crimes de guerra. Em 2010, no julgamento conduzido na primeira instância, “Duch” recebeu uma pena de 30 anos de prisão. No julgamento de recurso, em 2012, o sanguinário carrasco foi condenado a prisão perpétua.
Nascido em 17 de Novembro de 1942 num vilarejo da província de Kompong Thom, a norte de Phnom Penh, “Duch” era professor de matemática antes de aderir aos Khmer Vermelhos em 1967.
Após a queda do regime, continuou vinculado ao movimento e mais tarde trabalhou para organizações humanitárias.
Depois de passar anos foragido, foi encontrado em 1999 pelo fotógrafo irlandês Nic Dunlop e acabou por ser detido.
Duch foi uma personalidade ambígua. Num primeiro momento cooperou com a justiça e chorou nas audiências do julgamento conduzido em primeira instância, mas depois mudou de estratégia e passou a acusar o tribunal de incompetência.
O seu advogado, o francês François Roux, descrevia Duch como um homem sincero preocupado em “regressar à humanidade”. Mas os sobreviventes do regime e a acusação denunciavam o que diziam ser “lágrimas de crocodilo”.
Um carrasco “meticuloso”
“Meticuloso, zeloso, cuidadoso para que os seus superiores o tivessem em boa conta”, de acordo com os psiquiatras, o torturador administrou de forma rigorosa as actividades da S-21.
Durante o primeiro julgamento, que decorreu entre Março e Novembro de 2009, reconheceu que usou a crueldade, as execuções e o terror como método político: “Sou responsável emocional e legalmente”, admitiu.
Convertido ao cristianismo nos anos 1990, Duch pediu perdão aos poucos sobreviventes e às famílias das vítimas. Também disse que aceitava a condenação à “pena mais estrita”.
Após as confissões, no entanto, o acusado decidiu mudar de estratégia e passou a reclamar a sua libertação, alegando ser um mero secretário do regime.
A acusação descreveu o seu “entusiasmo e meticulosidade em cada uma das tarefas”, assim como o “orgulho” por comandar o centro de tortura e “a indiferença face ao sofrimento” dos demais.
O etnólogo francês François Bizot, que foi mantido em cativeiro na selva por Duch durante três meses em 1971, mencionou a “sinceridade fundamental de um homem (…) disposto a dar a sua vida pela Revolução”.
No final, Duch “não se arrependeu”, afirmou Yuk Chang, director do Centro de Documentação do Camboja, um organismo de pesquisa que forneceu muitas provas ao tribunal: “Espero que a sua morte leve um pouco de consolo aos sobreviventes e que os mortos possam descansar finalmente em paz”, disse.
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