Morreu Kanchha Sherpa, um dos primeiros a atingir o tecto do mundo

Fotografia: Michael Clarke/Unsplash

Foi um dos primeiros a atingir o topo do mundo, mas o seu nome sucumbiu à vertigem dos anos. O nepalês Kanchha Sherpa, o último sobrevivente da expedição que levou pela primeira vez o ser humano ao topo do Everest em 1953, morreu esta quinta-feira aos 92 anos.

A sua caminhada rumo à fama – e ao tecto do mundo – começou na adolescência, quando fugiu para as montanhas de Darjeeling e deixou para trás o então remoto lugarejo de Namche Bazar, hoje transformado no maior centro turístico na rota para o acampamento base do Everest.

Kanchha, então com19 anos conheceu na cidade indiana, que na época era o ponto de partida das expedições para o Himalaias, o seu compatriota Tenzing Norgay Sherpa, que o contratou como serviçal multitarefas. Poucos meses depois, a troca de algumas rúpias, Kanchha juntou-se a Tenzing Norgay no Nepal, contratado para a expedição liderada pelo neozelandês Edmund Hillary.

Reunidos em Katmandu, os alpinistas alcançaram o acampamento base após vários dias de caminhada, já que naquela época ainda não havia uma rota adaptada ou a possibilidade de chegar ao tecto do mundo por via aérea. Hoje, os alpinistas seguem um itinerário traçado por guias nepaleses, no encalço da equipa pioneira que fez a primeira escalada em 1953.

Sem qualquer treino em alpinismo, Kanchha Sherpa subiu os mais de 8.000 metros do Everest.  Há dois anos, durante uma entrevista à Agência France Press, ele afirmou que foi o homem “mais feliz quando Tenzing e Hillary alcançaram o topo”, de acordo com as declarações transmitidas por seu neto Tenzing Chogyal Sherpa.

Com roupas demasiado grandes para ele e carregados com tendas, materiais e mantimentos, Kanchha explicou como os sherpas nepaleses escalavam as íngremes encostas da montanha sempre a cantar.

Sete décadas depois, centenas de pessoas alcançam todos os anos o cume do Everest (8.849 m) e outras milhares visitam o Nepal para admirar as paisagens do Himalaias.

A indústria do montanhismo, que movimenta milhões de dólares, depende da experiência dos “sherpas”, que a cada ano pagam um preço elevado para acompanhar centenas de alpinistas até o topo do mundo: um terço dos mortos no Everest são alpinistas nepaleses.

“Tenzing e Hillary abriram nossos olhos e possibilitaram o desenvolvimento destas regiões montanhosas”, defendeu Kanchha Sherpa ao canal local YOHO TV em 2019. “A vida era muito difícil antes. Não havia nenhum meio de subsistência”, recordou.

Testemunha directa da transformação da região do Everest, Kanchha Sherpa continuou a escalar durante duas décadas mais, até que a sua esposa pediu que se recusasse a fazer expedições perigosas.

A educação das crianças sherpas é o benefício mais importante do desenvolvimento da região, destacou, porém, o herói nepalês.“Elas agora têm a possibilidade de estudar e podem se tornar o que quiserem: médicos, engenheiros ou cientistas, como o meu neto”, acrescentou. “No meu tempo, jamais imaginei que algo assim fosse possível”, completou.

Depois de abandonar o alpinismo, Kanchha Sherpa criou uma fundação com oseu nome, dedicada a ajudar famílias que não tinham recursos para enviar os seus filhos para a escola.

Durante os seus últimos dias, ele disse temer que os “jovens fossem influenciados pela cultura ocidental e esquecessem lentamente a cultura e a língua sherpa”.

Be the first to comment

Leave a Reply

Your email address will not be published.


*


This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.