
Um tribunal de segunda instância de Timor-Leste absolveu esta sexta-feira um casal de residentes de Macau que tinha sido condenado a oito anos de prisão pelo crime de peculato. Há três anos, Tiago e Fong Fong Guerra foram ainda condenados a pagar uma indemnização ao Estado timorense. Hoje o tribunal de Recurso timorense ordenou o descongelamento das suas contas.
Aprovado por unanimidade por um colectivo de três juízes, o acordão que foi esta sexta-feira comunicado às partes determina a absolvição do crime de peculato, pelo qual o Tribunal de Díli tinha condenado o casal ao cumprimento de de uma pena de prisão efectiva de oito anos. Tiago e Fong Fong Guerra foram ainda condenados a ressarcir o Estado timorense em 859 mil dólares.
Esta sexta-feira, o tribunal de Recurso de Timor-Leste determinou ainda o descongelamento das contas bancárias do casal e o levantamento das medidas de coacção a que os residentes do território estavam sujeitos, avança a agência Lusa.
A decisão judicial esta sexta-feira tornada pública encerra um longo processo que durou dois anos e meio. No acordão, o colectivo de juízes dá deferimento ao recurso da defesa à sentença de 24 de Agosto de 2017. A defesa, que no primeiro julgamento esteve a cargo do advogado de Macau Álvaro Rodriguges, argumentava que a decisão da primeira instância padecia de “nulidades insanáveis” mais comuns em “regimes não democráticos”. A acusação, diziam os responsáveis pela defesa dos arguidos , tinha por base provas manipuladas e até proibidas pela justiça timorense.
Tiago e Fong Fong Guerra foram detidos pela polícia timorense em Díli a 18 de Outubro de 2014 e esteve desde então impedido de sair de Timor-Leste. Tiago Guerra tinha ainda a obrigação de se apresentar semanalmente na Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL).
Fuga para a Austrália
Enquanto aguardava a decisão sobre o recurso à sentença do Tribunal Distrital de Díli, mantendo a sua inocência e acusando o Tribunal de primeira instância e o Ministério Público de várias irregularidades, o casal fugiu para a Austrália, onde chegou, de barco, a 9 de Novembro de 2017, tendo chegado a Lisboa a 25 de Novembro desse ano.
O casal foi representado durante o processo pelos escritórios Da Silva Teixeira e Associados e Abreu e C&C Advogados que, depois da fuga do casal renunciaram ao mandato. Contactados pela agência Lusa, os dois escritórios de advogados confirmaram que não puderam receber cópia do acórdão por terem renunciado ao mandato.
No recurso, a defesa apresentou 13 pontos de contestação à sentença, incluindo a “intromissão não autorizada em correspondência”: “Ao fim de 15 sessões de julgamento e depois de ter sido proferido o Acórdão ora colocado em crise, constata a defesa, sem qualquer margem para dúvida, que este processo padece de várias nulidades insanáveis, algumas das quais apenas acontecem em regimes não democráticos, o que não é o caso de Timor-Leste”, refere o recurso da defesa.
O texto, apresentado junto do Tribunal de Recurso defende que houve “manipulação de provas, utilização de prova proibidas e valoração da mesma”, razão pela qual a defesa conclama ter havido inconstitucionalidade, ter havido omissão de realização de diligências necessárias para a descoberta da verdade e haver “insuficiência de matéria de facto provada para a decisão”.
Tiago e Fong Fong Guerra foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental. O caso tinha como aspecto central uma transferência de 859 mil dólares, feita em 2011 a pedido de Bobby Boye, um consultor norte-americano.
Pago numa primeira instância pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo timorense, Boye chegou a ser coarguido neste processo e que foi, entretanto, condenado nos Estados Unidos onde está a cumprir pena.
A fuga de Tiago e Fong Fong Guerra causou tensão diplomática entre Portugal e Timor-Leste, com o assunto a suscitar críticas de dirigentes políticos e da sociedade civil, com artigos de opinião a exigir mesmo que a embaixada de Portugal em Díli fosse investigada.
Na sequência da fuga do casal, o Ministério Público timorense acusou um outro português e dois timorenses de vários crimes, incluindo branqueamento de capitais, por alegadamente terem facilitado afuga do casal. O processo conexo decorre ainda no Tribunal Distrital de Díli.A acordão do Tribunal de Recurso poderá vir a influenciar um outro processo que está a decorrer nas instâncias judiciais do território. No âmbito deste processo, o casal e os pais de Fong Fong Guerra são acusados de um crime de branqueamento de capitais, numa acção que segundo a defesa teve por base o processo de Timor-Leste e as cartas rogatórias na sequência de pedidos de informação feitos a Macau.
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