Durante décadas, Zebulon Simentov recusou-se a deixar o Afeganistão, sobrevivendo à invasão soviética, a uma guerra civil mortal, ao domínio brutal dos Talibã e à ocupação do país onde nasceu por uma coligação estrangeira liderada pelos Estados Unidos.
Mas a sua teimosia chegou ao limite. A perspectiva de um regresso dos Talibã ao poder convenceu Zebulon, o último judeu do Afeganistão, de que chegou a hora de fazer as malas.
“Por que é que eu vou ficar? Eles (os talibãs) chamam-me de infiel”, declarou à AFP na única sinagoga de Cabul, localizada num prédio antigo no centro da capital. “Sou o último, o único judeu do Afeganistão (…) As coisas podem piorar para mim aqui. Decidi partir para Israel se os Talibã voltarem”, acrescenta.
A eventualidade parece plausível, já que o presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, confirmou a saída das forças americanas até 11 de Setembro, no vigésimo aniversário dos ataques de 2001. As negociações de paz entre os talibãs e o governo estão paralisadas.
Nascido na década de 1950 em Herat, no oeste do Afeganistão, que já foi um refúgio de famílias abastadas de comerciantes judeus, Zebulon mudou-se para Cabul no início dos anos 1980 devido à relativa calma que a capital então apresentava.
Os judeus vivem no Afeganistão há mais de 2.500 anos. Dezenas de milhares deles moraram em Herat, onde quatro sinagogas testemunham a presença ancestral da comunidade nesta cidade. Mas desde o século XIX que os judeus foram deixando gradualmente o país, muitos partindo para Israel. Ao longo das décadas, toda a família de Zebulon também partiu, incluindo a sua esposa e as duas filhas. Zebulon diz estar certo que é o último judeu do país.
Vestido com um shalwar kameez, a vestimenta tradicional afegã que consiste numa camisa longa sobre calças largas, e um kipá preto na cabeça, ele recorda com nostalgia o período – abençoado aos seus olhos – da monarquia na década de 1970: “Os fiéis de todas as religiões e culto gozavam de total liberdade na época”, ressalta Zebulon, que diz ter orgulho em ser afegão.
Mas a evolução recente do país tornaram-no amargo. Em particular, os anos – entre 1996 e 2001 – em que os Talibã ocuparam o poder e impuseram a sua visão fundamentalista e tentaram forçá-lo a converter-se: “Este vergonhoso regime dos Talibã colocou-me na prisão por quatro vezes”, conta, referindo-se a um episódio em que um grupo de combatentes invadiu a sinagoga: “Disseram que o Afeganistão era um Emirado Islâmico e os judeus não tinham direitos aqui”.
Os talibãs pilharam o local – uma grande sala pintada de branco com um altar numa das extremidades – rasgaram livros em hebraico, quebraram menorás, o castiçal de sete braços dos judeus, e levaram embora uma antiga Torá, recorda.
Apesar de tudo, Zebulon recusou-se a abandonar o seu país: “Eu resisti. Deixei a religião de Moisés orgulhosa”, afirma com orgulho, beijando o chão da sinagoga.
Zebulon continua a celebrar na sinagoga as festas de Rosh Hashanah, o Ano Novo Judaico, e Yom Kippur, o dia do perdão, às vezes até na companhia de amigos muçulmanos: “Sem mim, a sinagoga já teria sido vendida dez, vinte vezes”, continua ele, no seu dialecto herati, que se distingue do dari, uma das duas línguas oficiais, devido às suas entoações grosseiras.
Zebulon vive das esmolas dadas por amigos e parentes e prepara as suas refeições num pequeno fogão a gás colocado na sala sobre um tapete vermelho. Numa mesa, a um canto estão livros e fotos das suas filhas, que ele beija repetidas vezes..
Zebulon admite ter pensado em 2001, quando os Talibãs foram expulso do poder pela intervenção americana, que o país iria prosperar: “Achava que os europeus e os americanos resolveriam os problemas deste país (…), mas não foi o caso”, lamenta.
Os seus vizinhos ficarão tristes em vê-lo partir: “Ele é meu cliente há 20 anos (…) É um bom homem”, diz Shakir Azizi, dono de uma mercearia em frente à sinagoga. “Se ele for embora, a sua falta será sentida”.
Mas Zebulon teme o destino que o aguarda se ficar, convencido de que é que os Talibã não mudaram: “São os mesmos de 21 anos atrás”, assegura. Na esperança de se sentir em casa em Israel, admite: “Perdi a fé no Afeganistão (…) Não há mais vida aqui”.
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