
Sob o céu azul de um sábado radiante, Paulo de Souza planta uma muda de ingá num parque no interior do Rio de Janeiro. É uma homenagem ao irmão, um piloto aposentado que morreu no mês passado, depois de ter contraído o novo coronavírus.
Silvio de Souza Junior “gostava da natureza (…) e gostava de voar. É uma bela forma de o representar”, diz à AFP seu irmão, um dos participantes no projecto Bosques da Memória, que busca reflorestar áreas do litoral desmatadas do Brasil e homenagear as vítimas da pandemia.
Organizada por três redes de organizações não governamentais, a iniciativa prevê a plantação de 200 mil árvores no próximo semestre em diferentes regiões do país, com o duplo objectivo de ajudar as famílias a lidar com o luto e contribuir para o meio ambiente.
“Muitas dessas famílias não tiveram sequer oportunidade de enterrar os seus entes queridos” devido aos riscos de contaminação, explica Luis Paulo Ferraz, um dos coordenadores do projecto.
Neste sábado (16), foram plantadas oito mudas de espécies nativas no parque da Associação Mico-Leão-Dourado, localizado a duas horas da cidade do Rio de Janeiro: “Além da perda, o processo de passagem foi feito de forma muito violenta. E no gesto de plantar uma árvore, também estão a depositar muitos desse afectos, desse carinho, dessa saudade, nessa muda”, acrescenta Ferraz, secretário executivo da organização.
No total, este parque abrigará 6.800 novas árvores do projecto Bosques da Memória, mas nem todas terão placas com nomes de pessoas falecidas ou cerimónias com familiares, para evitar aglomerações.
A voz de José Oliveira Costa fica embargada ao pensar na sua filha Evandra, que faria 44 anos, mas morreu de Covid-19 em Novembro, cinco dias depois de ter sido entubada na UTI: “O mundo está a precisar de pessoas que tenham em mente esse propósito de plantar mais árvores quando há tanta destruição”, refletce.
Costa espera que a quaresmeira que ele plantou em homenagem à filha, uma árvore exuberante de flores roxas, dure tanto quanto a sua memória: “A árvore para mim simboliza algo que dura muito tempo, simboliza a eternidade. Eu sei que o nome dela está aqui, vou voltar aqui outras vezes e vou ver esta árvore crescer”, garante entre lágrimas.
Mais de 208 mil brasileiros morreram desde o início da pandemia, que voltou a piorar nos últimos dois meses.
O projecto foi criado pela Rede de Organização da Mata Atlântica (RMA), a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.
De acordo com a organização SOS Mata Atlântica, este bioma que se estende por mais de 100 mil quilómetros ao longo da costa oceânica conserva apenas 12 por cento da sua vegetação original devido ao processo de urbanização.
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