Pequim e a Santa Sé vão renovar acordo. Washington critica

Fotografia: O Papa Francisco durante a visita que fez este domingo à colina de Nishizaka, local onde foram martirizados 26 católicos japoneses e ocidentais no final do século XVI. Expediente Sinico/Marco Carvalho

O Vaticano e a República Popular da China preparam-se para renovar um acordo histórico assinado há dois anos, que dá ao papa a última palavra na nomeação de bispos chineses. A decisão provocou a ira do governo norte-americano.

Nos Estados Unidos da América, o presidente Donald Trump usa a repressão religiosa na China como um argumento para a campanha presidencial.

O secretário de Estado, Mike Pompeo, partiu para um ataque frontal ao Vaticano ao publicar no fim-de- semana um tweet em que denuncia as “horríveis” perseguições de crentes de todas as religiões na China que “revoltam” muitos países.

“Mais do que nunca, o povo chinês precisa do testemunho moral e da autoridade do Vaticano”, disse ele num texto publicado na revista norte-americana “First Things”. Pompeo acredita que “o acordo entre a China e o Vaticano não protegeu os católicos contra as acções do partido”.

O papa Francisco certamente acostumou os fiéis a denunciarem explicitamente as perseguições de que padecem no planeta, mas adoptou uma atitude diplomática muito menos ousada com Pequim, para unir uma Igreja chinesa dividida por vontade das próprias autoridades comunistas.

Os cerca de 12 milhões de católicos chineses – uma minoria muito pequena num país de quase 1400 milhões de pessoas – estão divididos há décadas entre uma Igreja “patriótica” controlada pelo regime comunista e uma chamada Igreja “clandestina” que reconhece o autoridade do papa e muitas vezes é perseguida como tal.

A 22 de Setembro de 2018, o Vaticano selou um acordo “provisório” histórico com o regime comunista de Pequim, que resultou em negociações intermináveis, cujo conteúdo exacto nunca viu a luz do dia.

O único ponto tangível anunciado na época: o papa Francisco reconheceu imediatamente oito bispos chineses nomeados por Pequim sem a sua aprovação.

Dois anos depois, os resultados não são brilhantes para a diplomacia do Vaticano, mas dois novos bispos foram nomeados na China com o endosso final do líder dos 1300 milhões de católicos do planeta.

Antes, os prelados tinham que se tornar membros da Igreja Patriótica oficial, o que muitos antigos prelados perseguidos no passado ainda se recusam veementemente a fazer.

Em todo o mundo, é o papa quem decide sobre a nomeação dos bispos, homens que ele mesmo conheceu ou que lhe são recomendados pelas conferências episcopais nacionais.

Momento histórico em Fevereiro de 2020: os “ministros” dos Negócios Estrangeiros da China e do Vaticano encontraram-se publicamente  num evento internacional, facto inédito em sete décadas.

As relações diplomáticas entre Pequim e a Santa Sé foram interrompidas em 1951, dois anos depois de os comunistas terem chegado ao poder.

O Vaticano também continua a manter relações diplomáticas com Taiwan. Um impasse, pois a ilha de 23 milhões de habitantes é considerada por Pequim como uma província chinesa à espera da reunificação.

Autorização do papa para renovar acordo

O papa Francisco acaba de autorizar a renovação do acordo, ainda que em modo “experimental” por mais dois anos, disse à AFP uma fonte próxima do Vaticano.

Uma discreta troca de notas com a China deve ainda ser selada “em Outubro”.

Questões espinhosas, como a dos padres católicos chineses que desaparecem repentinamente de suas paróquias durante semanas “a convite” das autoridades, estão a ser levantadas por diplomatas do Vaticano, assegura o especialista.

São alvo de críticas recorrentes do cardeal Joseph Zen de Hong Kong, ou mesmo do padre italiano Bernardo Cervellera, ex-missionário na China, que publica no seu site AsiaNews depoimentos de católicos chineses muito insatisfeitos com o acordo: “O nosso interesse actual com a China passa por normalizar ao máximo a vida da Igreja”, explicou em meados de Setembro o cardeal Pietro Parolin, braço direito do papa Francisco e principal arquitecto do acordo, ao admitir que os primeiros resultados do acordo “não foram particularmente notáveis”.

Quatro dias antes, Zhao Lijian, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, falou positivamente do acordo bilateral, “implementado com sucesso”.

Um elogio para um Partido Comunista Chinês que questiona qualquer organização, especialmente religiosa, que possa ameaçar a sua autoridade.

Pequim persegue há vários anos uma política de “sinização” das religiões, com o objetivo de as adequar aos objectivos do poder comunista.

A China do presidente Xi Jinping, que assumiu o poder em 2012, também reforçou a vigilância sobre todos os cultos. Igrejas foram destruídas, cruzes retiradas de campanários e creches religiosas fechadas.

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