Quarenta anos depois, a morte de Aldo Moro ainda assombra Itália

Aldo Moro, líder histórico da Democracia Cristã italiana, foi sequestrado faz esta sexta-feira quarenta anos. O processo, que terminou com a execução do antigo primeiro-ministro às mãos das Brigadas Vermelhas no início do mês de Maio, mudou para sempre o país.

O rapto, a 16 de Março de 1978 de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, e o seu subsequente assassinato, a 9 de Maio, continua a assombrar a memória colectiva dos italianos. Tanto assim é que, quatro décadas depois, o caso continua a suscitar divisões, envolto que está em numerosas zonas de sombra.

“Foi o 11 de Setembro de Itália. Cinquenta e cinco dias que desviaram o país do caminho para o qual se dirigia, o de uma República que parecia finalmente afirmar-se”, escreve Ezio Mauro, antigo director do jornal “La Repubblica”, que por estes dias tem vindo a publicar uma série de artigos dedicados à morte de Aldo Moro.

“Há lugares que parecem falar ainda de tudo o que se passou. Todos os dias, sempre que passo por eles, não consigo impedir que o meu pensamento viaje no tempo até essa Primavera de 1978 e a essa Itália desgastada por uma década terrível”, uma década que ficou conhecida por todos os italianos como “os anos de chumbo”, complementa Mauro.

Passa um pouco das nove da manhã de 16 de Março de 1972 quando Aldo Moro, então com 62 anos, líder da Democracia Cristã, é sequestreado em pleno coração de Roma por um comando das Brigadas Vermelhas, uma organização de extrema esquerda, que abate o seu condutor e os membros da equipa de segurança que acompanhava o dirigente político.

O corpo do estadista, que foi por cinco vezes primeiro-ministro, é encontrado no porta-bagagens de uma viatura abandonado numa ruela da capital italiana, quase à mesma distância das sedes da Democracia Cristã e do Partido Comunista Italiano. O sequestro agita a opinião pública italiana e abre um período de grave crise institucional.

Quando foi raptado, Aldo Moro tinha acabado de assinar um “compromisso histórico” com os comunistas para formar um governo de coligação que tinha por principal propósito confrontar uma situação económica difícil e combater o terrorismo.

Do seu “cárcere popular”, Aldo Moro escreve uma centena de cartas à sua família, ao então primeiro-ministro democrata-cristão Giulio Andreotti, mas também ao papa Paulo VI. Nas missivas, Moro pede que se negoceie com os sequestradores que exigem a libertação de uma série de presos políticos.

Sacrificar Moro

O corpo de Aldo Moro foi encontrado na bagageira de um carro a 9 de Maio de 1978 numa ruela da capital italiana, Roma.

A partir de 1975, as Brigadas Vermelhas optaram por uma estratégia de luta frontal contra o Estado italiano. O grupo apostou durante mais de um mês numa estratégia de negociações que acabaria por não se materializar. Ao fim de 55 dias, as Brigadas Vermelhas decidiram executar Moro, julgado por um “tribunal popular” em que os próprios membros das brigadas assumiram o papel de juízes e de carrascos, explicou à agência AFP o historiador Philippe Foro, autor de “O caso Moro”.

“O líder da Democracia Cristã também fez muitos inimigos entre os que condenavam a sua política de “compromisso histórico” com o Partido Comunista Italiano, com a NATO, com os serviços secretos italianos e com um largo número de outros intervenientes do processo político, quer a nível nacional, quer a nível internacional”, sublinha o académico.

Entre os historiadores e todos quandos testemunharam os 55 dias de calvário do líder da Democracia Cristã são muitos os que defendem que o Estado italiano não fez tudo o que estava ao seu alcance para encontrar e libertar Moro. Optou, isso sim, por “sacrificá-lo”.

Certas teorias dão como mais que provável a hipótese de tanto a União Soviética como os Estados Unidos da América terem chamado a si um papel activo no sequestro. Tanto Washington como Moscovo viam com maus olhos a possibilidade de uma aliança entre comunistas e democratas-cristãos em plena Guerra Fria.

“Para os Estados Unidos, o peso do Partido Comunista no mais importante dos países da bacia mediterrânica era inaceitável. Os Soviéticos, por sua vez, entendiam o “compromisso histórico” anunciado por Moro como uma ameaça”, disse em 2014 o juiz Ferdinando Imposimato, o magistrado responsável pela instrucção do dossier Aldo Moro.

Falecida em 2010, Eleonora, a viúva de Aldo Moro, nunca conseguiu perdoar os dirigentes da Democracia Cristã, partido que reclamava para si valores cristãos, mas que se recusou a salvar uma vida em nome do fortalecimento do Estado. Numa carta endereçada à sua esposa a 8 de Abril de 1978, Aldo Moro terá escrito, em tom profético: “O meu sangue cairá sobre eles”.

Agora que a Itália se debate para encontrar, pela enésima vez, uma maioria que possa trazer a necessária tranquilidade ao país, o Ministro da Cultura, Dario Franceschini, evocou na quarta-feira a memória de Aldo Moro, lembrando que o antigo primeiro-ministro “teria convencido os dois vencedores das eleições, nenhum deles sem maioria, a formar governo”.

 

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